A BIC da austeridade: a lei que nasceu nas mãos de Bolsonaro e voltou para condená-lo
No longínquo 1º de setembro de 2021, Jair Messias Bolsonaro sancionou, com toda pompa e humildade de sua famosa “caneta popular”, a Lei 14.197 — aquela que atualizou o Código Penal para punir ataques à democracia. O mesmo presidente que “virou” símbolo de “simplicidade” ao usar uma caneta barata na posse, em 2019, não imaginava que a tal caneta — Compactor, não BIC, mas enfim — seria a virada do próprio destino jurídico. Ele assinou a lei com orgulho. Dois anos depois, a Justiça assinou a sentença com precisão.
A ironia não poupou ninguém: Anderson Torres, Braga Netto e Augusto Heleno, todos ministros fiéis, também rubricaram, com a mesma devoção, a lei que hoje sustenta suas condenações. O destino, às vezes, tem seu senso de humor peculiar. E ácido.
No último 11 de setembro, por 4 votos a 1, a Primeira Turma do STF condenou Bolsonaro e outros seis réus pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Tudo previsto, veja só, na lei que o próprio ex-presidente sancionou. A democracia, quando quer, sabe ser irônica.
As penas foram generosas: Bolsonaro, 27 anos e três meses, hospedado na Superintendência da PF, em Brasília; Braga Netto, 26 anos, enviado à Vila Militar; Anderson Torres, 24 anos, no 19º BPM da Papuda; e Augusto Heleno, 21 anos, no Comando Militar do Planalto. Todos inelegíveis por oito anos. Todos enquadrados pela mesma legislação que juravam defender. E que aprovaram.
A PF indiciou Bolsonaro e mais 36 pessoas usando exatamente os dispositivos da Lei 14.197, criada para proteger o Estado Democrático de Direito de… bem… gente como eles. Os artigos sobre “golpe” e “abolição violenta” foram escritos para impedir rupturas institucionais, mesmo que fracassadas. E funcionaram.
Fica o registro histórico: Bolsonaro caiu não pela caneta dos adversários, mas pela própria. A caneta da austeridade, do orgulho, do símbolo político. A caneta que assinou uma lei que, no fim, assinou seus 27 anos. A vida tem dessas. A democracia, também.