A nobre função do puxador de saco
Temos gênios na música, no futebol, mestres na gambiarra e, claro, verdadeiros profissionais da mais antiga e resistente função da República: “o puxador de saco”, ou, para os íntimos, “o puxa-saco”. Uma classe trabalhadora sem carteira assinada, sem concurso e sem reconhecimento oficial do Ministério do Trabalho, mas presente em todas as esferas, poderes e organismos — da Presidência ao boteco da esquina. E, claro, na imprensa também. Aqui não falta inclusão: onde houver um chefe, aparecerá um puxa-saco brotando do nada, como mofo em parede úmida.
Antes, porém, convém diferenciar essa figura das assessorias técnicas (jornalistas, advogados e comunicadores que exercem função reconhecida, regulamentada e, teoricamente, baseada em técnica). O puxa-saco não: sua qualificação é outra. É um dom natural. Um talento bruto, nato. Uma vocação quase que divina, tão misteriosa quanto a origem do pozinho do miojo.
E, mesmo que o IBGE não apresente dados sobre essa categoria trabalhista-mística, ela cresce no Brasil, do interior às grandes metrópoles, numa velocidade que faria inveja até à inflação e ao agro. Isso porque nossos vieses ideológicos andam tão inflamados que parece disputa de torcida organizada: direita, esquerda, centro, fundo do poço — todo mundo tem seu fã-clube de devotos inflamados e emocionados.
Os puxadores de saco estão em todos os cantos e escalões do poder. Do “assessor” que só aparece em foto comendo churrasco ao comissionado que ninguém jamais viu pessoalmente; da figura misteriosa que recebe salário para “atividades externas” até o cidadão que passa o dia e a noite batendo palmas na internet como se fosse contratado do Faustão. A profissão é, em boa parte, voluntária, mas não se engane: a expansão desse exército é financiada, direta ou indiretamente, pelos cofres públicos.
Afinal, manter um time ativo de elogistas profissionais dia e noite não é barato. Muitos recebem contratos para funções tão desconhecidas que ninguém explica ao certo o que eles fazem... Mas, deve ser um trabalho… técnico… estratégico… operacional… sabe?” Não, não sabemos. E eles também não.
O importante não é trabalhar: é defender. Defender sem saber o quê, sem ler o quê, sem entender o quê. Criticar sem critério, elogiar sem limites — e às vezes sem dentes, dependendo do entusiasmo.
O modus operandi é simples e altamente replicável: comenta o título sem ler o conteúdo, cria narrativas, compartilha fake news, interpreta qualquer crítica como ataque pessoal ao Messias (de estimação), e tenta transformar achismos em tese de mestrado. Não importa o problema, não importa a realidade, não importa se o sol nasce no leste: o líder está sempre certo. Absolutamente sempre. Mesmo quando está errado, está certo — e a culpa, claro, é dos “inimigos” políticos e de quem não sarou os cotovelos.
Se a abóbora substitui a picanha no prato, tudo bem: “é gourmetização”.
Se a cenoura custa R$ 10 e a gasolina R$ 8, nenhum problema: “é o preço da liberdade.
Se a rua está esburacada, a saúde sucateada e a escola caindo aos pedaços, relaxe: “o líder está trabalhando em silêncio”, quase como um ninja administrativo.
Porque, para o puxa-saco, a missão é sagrada. Ele defenderá cegamente, fielmente, emocionadamente, mesmo que o mundo esteja desmoronando ao redor. É uma devoção tão grande que, se houvesse uma romaria para idolatrar político, eles iam a pé carregando mala — literalmente, por quilômetros de distância.
E assim seguimos, nesta grande pátria que se orgulha de seus inventos, incluindo o puxasaquismo profissional. Esse, sim, é patrimônio imaterial da nação. Uma arte que atravessa governos, ideologias e séculos — e permanece firme, forte e, sobretudo, cada vez mais bem remunerada. Falta só oficializar e criar um concurso público: “Analista de Elogios Nível II”.
Enquanto isso, nós, mortais, tentamos diferenciar quem trabalha de verdade de quem apenas bate palmas. E assim o Brasil vai indo. Ou sendo puxado.
Depende do ponto de vista — e do puxador.