Da calçada ao poder: jornalismo, a palavra que nasce da escuta
Há histórias que não esperam. Elas nos cutucam, nos chamam pelo nome, nos acompanham enquanto caminhamos pela rua ou olhando pela janela, distraídos. São elas que insistem em existir, mesmo quando o mundo prefere esquecê-las. E foi por causa dessas histórias — as pequenas, as humanas, as que moram nos detalhes, que eu me tornei jornalista. Não por glória, não por manchete, não por reconhecimento. Mas porque aprendi, muito cedo, que o que não é escrito pode desaparecer.
Memória tem cheiro, tem textura. Tem sons que ecoam mesmo quando o silêncio é grande. Memória é cheiro de café recém-passado, de estrada de terra depois da chuva, do sol quente das tardes do interior. Antes de eu saber escrever notícia, eu já colecionava histórias, observando, ouvindo, tentando guardar o mundo nos detalhes.
Minhas reportagens ou artigos nascem desses cheiros, do que guardo comigo desde muito antes de imaginar que um dia seria jornalista. Antes de fundar um site. Não escrevo para celebrar feitos grandiosos. Escrevo porque há coisas que eu não quis — e não pude — esquecer.
Cada registro ao longo dessas quase duas décadas de profissão deixou um rastro na minha própria história. Algumas me ensinaram a ser mais firme. Outras, a ser mais humano. Todas, porém, de algum modo, me transformaram.
Quando fundei o D12News, eu não estava apenas criando um site. Eu estava tentando construir um espaço onde a verdade pudesse respirar, onde as pessoas tivessem voz, onde a história, mesmo a pequena, a silenciosa, a do interior — pudesse ser ouvida. Talvez eu estivesse buscando, também, um lugar para mim mesmo.
Foram anos olhando nos olhos de quem tinha muito a dizer e pouco espaço para falar. Conversei com mães que choravam seus filhos, com trabalhadores que despertam antes do sol, com políticos de fala ensaiada e com gente simples, de fala verdadeira. E, no fim, aprendi que o jornalismo é esse encontro: entre o que o mundo é e o que ele ainda pode se tornar.
Tornei-me jornalista por entender que há dores que precisam de voz, injustiças que precisam de testemunho e belezas que passam despercebidas se ninguém as nomear. E, talvez principalmente, porque descobri que a palavra pode ser abrigo — para quem fala e para quem lê.
Ao longo de quase duas décadas, tracei meu caminho com um gravador na mão, um caderno amassado no bolso e uma teimosia que, muitas vezes, era o que me mantinha de pé. A profissão ensinou-me que a verdade não mora apenas no documento, no gabinete ou na nota oficial. Ela também mora na calçada poeirenta, no olhar do idoso, da mãe preocupada na fila da UPA, do servidor que busca seus direitos, do professor que insiste mesmo quando falta estrutura, na comunidade que se reúne para ajudar quem nunca viu antes. A verdade é humana, e humana é imperfeita.
Fundar o D12News não foi um ato empresarial. Foi um gesto íntimo, quase teimoso, de quem não queria deixar certas histórias se perderem no vento. Eu queria um veículo que se aproximasse do povo, não apenas que falasse sobre ele. Queria registrar o que os grandes ignoram: o interior que pulsa, o município que resiste, o cidadão comum que carrega o peso da vida real.
Há reportagens que me feriram. Outras que me orgulham. Algumas que ainda hoje me deixam inquieto. Mas todas nasceram de algo que nunca quis perder: a capacidade de sentir.
E se uma reportagem minha chegar às suas mãos, eu lhe peço apenas uma coisa:
Leia devagar. Não pelas palavras, mas pelas pessoas que existem dentro delas.
- As que falaram.
- As que silenciaram.
- As que nunca foram ouvidas por ninguém— e encontraram, na minha escuta, um registro, um aconchego, um espelho.
Antes de cada linha, houve uma vida.
E eu quis honrá-la.