Deusa cega parece ter aberto um dos olhos: se impeachment avançar, Wanderlei será julgado por 10 acusados do mesmo crime
A operação que afastou o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), trouxe à tona mais do que um escândalo de corrupção, reacendeu um velho e incômodo debate sobre o funcionamento do Sistema de Justiça brasileiro. O caso, que investiga o desvio de recursos públicos destinados à compra de cestas básicas durante a pandemia da Covid-19, expôs com clareza um aparente desequilíbrio entre o rigor da lei e a seletividade de quem ela atinge.
É importante deixar claro: se comprovados os crimes de que Wanderlei é acusado, que pague por isso. Que seja responsabilizado com todo o peso da Justiça — assim como qualquer outro agente público envolvido. O que não se pode aceitar é a ideia de que a punição recaia apenas sobre um, enquanto os demais membros da suposta quadrilha seguem exercendo mandatos e decidindo o destino do próprio investigado.
Afinal, por que Wanderlei segue afastado do cargo, enquanto dez deputados estaduais e um deputado federal, também investigados na mesma operação e pelo mesmo motivo, seguem livres e com mandato garantido? Mais que isso: os próprios deputados estaduais, caso o pedido de impeachment avance na Aleto, terão o poder de julgar o governador. Uma inversão de papéis que causa “incoerência”, e desconfiança, em qualquer cidadão que ainda acredita na isonomia da lei.
Vale lembrar que o prefeito de Palmas e dez dos 24 deputados estaduais da atual legislatura foram alvos de mandados de busca e apreensão autorizados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), na mesma operação que afastou Wanderlei Barbosa. E, curiosamente, todos permanecem em pleno exercício de suas funções públicas, alguns inclusive discursando em defesa da moralidade e da transparência.
É inevitável lembrar que, quando o atual prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos, foi preso meses atrás, sua estratégia de defesa foi sustentar que o caso nada tinha a ver com o exercício do mandato. A mesma alegação feita por Wanderlei. A diferença é que um segue afastado, e o outro, hoje, governa normalmente. A pergunta é: por que pesos diferentes para crimes idênticos?
Como jornalista, mas também alguém que estudou Direito e acompanha com atenção as leis e a jurisprudência, confesso minha dificuldade em compreender o novo funcionamento da balança da Justiça. A deusa vendada parece ter aberto um dos olhos — e escolhe com quem ser cega e com quem ser severa.
Se a lei é para todos, que alcance a todos — sem exceções, sem seletividade e sem conveniências políticas. Até lá, seguimos tentando entender se, no Brasil, a Justiça ainda é cega ou se apenas finge não enxergar.