Inversão de prioridades: shows milionários com dinheiro público expõem descaso com saúde, educação e assistência social no Tocantins

No Tocantins, a contratação de shows com recursos públicos deixou de ser exceção para se tornar regra — uma prática cada vez mais recorrente e, pior, institucionalizada. O que antes parecia absurdo hoje virou rotina: prefeituras de pequenas cidades, com graves carências em saúde, educação e assistência social, despejam centenas de milhares de reais em cachês para artistas renomados, como se isso representasse desenvolvimento.
O exemplo recente de Novo Acordo é emblemático. Com apenas 4.102 habitantes, segundo dados do IBGE de 2024, o município pagou R$ 550 mil à banda Calcinha Preta e R$ 300 mil à banda Grelo, durante a temporada de praia realizada em julho. Somados a outros cachês que ultrapassam a marca de R$ 100 mil, os gastos com festividades ultrapassaram os R$ 2 milhões. O Ministério Público Estadual já instaurou investigação, mas Novo Acordo está longe de ser um caso isolado. Essa realidade se repete em diversas outras cidades do Tocantins — e Brasil afora.
A justificativa? Sempre a mesma: esses eventos “movimentam a economia local e a verba já vem com essa finalidade”. É o argumento mais raso e irresponsável possível. A lógica de que shows pagos com dinheiro público aquecem o comércio, o turismo e a renda da população é, na prática, uma aposta de alto risco — uma roleta pública travestida de política cultural, quase como jogar no famigerado “jogo do tigrinho”, que já levou inúmeras pessoas à falência, depressão e até ao suicídio.
A diferença é que, quando se trata de dinheiro público, as consequências não vêm em boletos atrasados ou dívidas pessoais. Elas aparecem nas filas de hospitais sem estrutura, nas escolas sucateadas, nos CRAS sem equipes suficientes para atender famílias vulneráveis. Vêm na morte silenciosa de políticas públicas e no esvaziamento da cultura de base, que fica sem recursos porque toda a verba do ano foi drenada por um único evento.
E mesmo dentro do setor cultural, essa prática é excludente e destrutiva. Quando um único show consome os recursos de todo um calendário, o restante do ano vira um deserto cultural, com artistas locais sem espaço, sem incentivo e sem apoio. Grande parte do valor pago ainda escapa da cidade, indo direto para produtoras de fora, que contratam equipe própria e pouco contribuem com a geração de renda local.
A verdade é que essa festa com dinheiro público é uma inversão de prioridades gritante. Não há como defender moralmente a ideia de que, em um município com pouco mais de quatro mil habitantes, seja razoável gastar milhões em shows enquanto tantas outras áreas padecem. O problema não está no entretenimento ou na valorização da cultura, mas sim na falta de equilíbrio, planejamento e responsabilidade com o erário.
Enquanto isso, seguimos à espera: quem vai barrar essa imoralidade? O Ministério Público faz sua parte em investigar, mas as instituições precisam ir além — com controle externo eficaz, fiscalização dos tribunais de contas e, sobretudo, com o posicionamento firme da sociedade. A conta dessa farra cultural já está sendo paga — e não é em alegria, é em sofrimento e abandono.