Minha análise: “Wanderlei Barbosa e o jornalismo do ‘agora pode’: o súbito despertar da imprensa tocantinense”

Nos últimos dias, o Tocantins assistiu a uma onda de publicações da imprensa local sobre os supostos crimes atribuídos ao governador afastado, Wanderlei Barbosa (Republicanos), e a membros de sua família — afastado por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em operação da Polícia Federal que investiga um esquema de desvios de verbas públicas destinadas à compra de cestas básicas durante a pandemia da Covid-19.
De repente, manchetes estampam acusações envolvendo familiares do ex-governador, denúncias de lavagem de dinheiro, milhões gastos com aeronaves e até luxos em viagens da família pelo Brasil e pelo mundo. Papel da imprensa é divulgar.
Até aí, tudo bem. O problema é o “de repente”.
A imprensa tocantinense — ou parte dela — que hoje se diz surpresa e escandalizada, é a mesma que sempre soube. A mesma que, durante anos, fez vista grossa. É a mesma que, quando o poder ainda sorria, preferia as pautas leves, as fotos bem produzidas e os releases recheados de adjetivos.
Agora, quando o vento muda, as manchetes mudam junto.
Antes de qualquer interpretação: não sou amigo, defensor, tampouco tenho ou desejo qualquer aproximação com Wanderlei Barbosa ou com membros de sua família. Conversei com ele apenas duas vezes na vida — e ambas terminaram em ofensa.
A primeira, em 2013, quando ele ainda era vereador. Eu o encontrei nos corredores da Assembleia Legislativa e ouvi dele, olhando nos meus olhos e sem titubear:
“Você é um repórter, filho de uma égua.”
A reação dele se deu porque eu havia publicado uma nota informando que ele teria rejeitado o convite para ser subprefeito da região sul de Palmas — cargo que, de fato, nunca ocupou.
Perdoei a ofensa e segui o trabalho.
A segunda vez foi pouco antes de seu afastamento, via WhatsApp. O motivo? Um artigo em que critiquei o governo por destinar milhões a shows artísticos enquanto pacientes morriam à espera de cirurgia oncológica.
A resposta dele foi curta e direta:
“Tu é um azedo. Recurso pra saúde não tem nada a ver com recurso de turismo.” E me bloqueou logo em seguida.
Vida que segue.
Mas voltando ao tema central: imprensa x afastamento de Wanderlei.
É curioso — pra não dizer vergonhoso — ver agora as mesmas páginas que o bajulavam reproduzirem com indignação aquilo que sempre ignoraram.
Onde estavam essas redações quando o governo firmou tais contratos?
Quando o dinheiro da saúde e da assistência social sumia, o silêncio era ensurdecedor.
Agora, com o governador fora do cargo, a imprensa resolveu “descobrir” tudo isso.
A pergunta é inevitável: a fonte secou?
Como pode, de uma semana para outra, o homem que era o “segundo melhor governador do País”, segundo manchetes locais, virar um “leproso político”?
Será que os supostos crimes só começaram a acontecer depois de seu afastamento?
Ou será que o interesse mudou de lado?
É no mínimo intrigante que tudo venha à tona justamente agora, quando as eleições se aproximam.
A seletividade da indignação é um vírus tão perigoso quanto a corrupção que ela diz combater.
Enquanto isso, o Tocantins segue o mesmo:
- Nas UPAs, faltam medicamentos e profissionais;
- Nos hospitais, pacientes esperam meses por atendimento;
- Na educação, escolas caem aos pedaços;
- Na infraestrutura, buracos e promessas continuam se multiplicando.
Mas a manchete da semana é outra.
A manchete da semana é o escândalo do “agora pode”.
E assim o Estado segue, refém de um ciclo previsível: quando o poder muda de dono, muda também o tom da cobertura.
O jornalismo, que deveria fiscalizar, se acomoda no colo do poder — até que o colo mude.
No fim, talvez o grande crime não seja apenas o que está sendo investigado pela Polícia Federal. O verdadeiro crime é o silêncio cúmplice de quem deveria ter denunciado quando ainda dava tempo.