A crise do IOF: entre constitucionalidade e governabilidade

O recente imbróglio envolvendo o aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) expõe mais do que divergências técnicas entre Executivo e Legislativo. Ele escancara um impasse de natureza política, jurídica e social que coloca em xeque a autonomia do governo na formulação de sua política fiscal e a responsabilidade do Congresso diante das pressões populares e setoriais.
Constitucionalmente, o decreto presidencial que majorou o IOF encontra respaldo direto no artigo 150, parágrafo 1º da Carta Magna, além de estar amparado pela Lei nº 8.894/94, que confere ao Executivo a prerrogativa de ajustar alíquotas até o limite de 1,5% ao dia. Ou seja, há fundamento legal e constitucional robusto para a medida. A excepcionalidade do IOF, que escapa às travas da anterioridade e da noventena, não é nova e vem sendo validada pelo Supremo Tribunal Federal em precedentes recentes.
No entanto, a legalidade não basta quando a governabilidade é posta em dúvida. A reação da Câmara dos Deputados, que aprovou com ampla maioria o regime de urgência para um projeto que derruba o decreto revela um cenário de fragilidade política do Planalto. O recuo parcial do ministro Fernando Haddad, em vez de se apoiar na Advocacia-Geral da União para defender a legitimidade do ato presidencial, foi percebido como concessão. E concessão, em política, cobra seu preço.
A pressão de empresários, mercado financeiro e parlamentares, somada à impopularidade do aumento, gerou uma tempestade perfeita. A tentativa do governo de recompor a arrecadação, que previa impacto de até R$ 37 bilhões em 2026, acabou recuada para uma estimativa inferior a R$ 7 bilhões. Para alcançar o equilíbrio fiscal, recorreu-se a medidas paralelas, como o fim de isenções em investimentos antes protegidos (como LCI e LCA), aumento de tributos sobre apostas online, e a uniformização da carga sobre bancos e fintechs.
Na prática, o episódio demonstra como a governabilidade se impõe à tecnicidade. Mesmo com respaldo jurídico, o Planalto cedeu diante da pressão política, o que pode estimular novas resistências a futuras medidas fiscais. A conta, como sempre, pode sobrar para a população, que arcará com alíquotas alteradas, fim de isenções e maior tributação em apostas, investimentos e crédito.
O desafio segue: conciliar equilíbrio fiscal, legitimidade institucional e transparência nas decisões que impactam o bolso do cidadão.